TRADIÇÃO, CONTEMPORANEIDADE E TÉDIO NO ROMANCE CAMPO DE SANGUE, DE DULCE MARIA CARDOSO
tradição; contemporaneidade; tédio; ruína; Dulce Maria Cardoso
No Livro do Desassossego, o narrador (e semi-heterônimo pessoano) Bernardo Soares já afirmava: “Pertenço a uma geração [...] que perdeu todo o respeito pelo passado e toda a crença ou esperança no futuro. Vivemos por isso do presente com a gana e a fome de quem não tem outra casa.” (PESSOA, 2019, p. 328). A afirmação, situada no contexto da primeira metade do século XX, continua servindo ao retrato do sujeito contemporâneo em obras como Campo de sangue. Esse romance, escrito pela autora portuguesa Dulce Maria Cardoso no início dos anos 2000 e objeto de estudo nesta dissertação, gira em torno de um protagonista sem autoestima, paixão ou sonhos, que não gosta nem odeia nada em particular. Profundamente entediado, vive imerso em um presente guiado pelas pequenas alterações que checa no relógio, desejando apenas gastar o tempo. Esse tempo, por sua vez, evidencia as ruínas ao seu redor e a ruína de sua própria sanidade, em um enredo que pode ser interpretado, de diversas maneiras, pela noção de “queda”. Assim, discutiremos como, no microcosmo contemporâneo de Campo de sangue, o tédio surge junto às ruínas da tradição e do estar-no-mundo do sujeito contemporâneo. Em nosso recorte “tradição, contemporaneidade e tédio”, partiremos tanto de uma perspectiva histórico-sociológica quanto de uma perspectiva mítico-literária, aproveitando para situar o romance na literatura portuguesa contemporânea com base em suas heranças e problemáticas ocidentais